Discurso na Tomada de Posse

 

As minhas primeiras palavras são de agradecimento a todos quantos, hoje – aqui ou à distância, mas todos junto de mim – me acompanham neste tão importante momento da minha vida pessoal e profissional, muito honrando e enobrecendo esta cerimónia, que é de compromisso público, para com todos que em mim confiaram e, acima de tudo, para com a Dignificação dos Tribunais, deste em particular, e da Justiça.

Agradecimento que, de uma forma muito particularmente sentida, pela profunda admiração e estima que de mim e de todos nós merece, dirijo a V. Exa., Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Juíza Conselheira Dulce Neto, exemplo ímpar, de entrega absoluta ao serviço da Justiça, sendo justa, por isso, a homenagem que neste momento aproveito para lhe prestar.

Tributo à Mulher e à Magistrada, que ao longo de dezenas de anos logrou, vitoriosamente, conferir a esta jurisdição o lugar de destaque que hoje lhe é reconhecido.

Justificado, assim, o redobrado privilégio que sinto em, pela sua mão, receber hoje esta difícil (mas gratificante) incumbência, muito lhe agradecendo também as palavras gentis e imerecidas que me dirigiu e que para mim constituirão sempre palavras de incentivo e de norteio da missão que hoje assumo como Presidente desta Casa.

Muito Obrigada Senhora Presidente, Conselheira Dulce Neto.

Quero deixar também uma palavra de gratidão e de profundo reconhecimento aos Senhores Presidentes eméritos deste TCA e com os quais tive a honra de trabalhar: ao Senhor Juiz Conselheiro Gomes Correia, com quem tomei posse como Desembargadora, em 2014; ao Senhor Juiz Desembargador Rui Pereira, com quem tomei posse como Vice-Presidente da Secção de Contencioso Tributário, em 2020, e ao Senhor Juiz Conselheiro Pedro Marchão Marques, meu querido amigo, com quem tive o privilégio de partilhar diariamente, ao longo dos últimos 2 anos e meio, o exercício da sua Presidência que hoje me serve de inspiração e modelo e que eu muito desejo continuar – uma Presidência próxima mas rigorosa, eficiente e inovadora. O legado que V. Exa. deixou ao TCA Sul está muito presente e deixa-me tributária de uma enorme responsabilidade.

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Este dia, 15 de maio, ficará para sempre gravado na minha memória.

Não apenas pelo que representa assumir publicamente perante Todos estas relevantes funções, ao serviço da Justiça e dos cidadãos, mas também por ser a primeira mulher, na história deste Tribunal, a exercer a sua Presidência. Tenhamos presente que há 50 anos nada disto seria possível ou, porventura, imaginável, sabido que só em junho de 1974 a magistratura se abriu às mulheres.

E aqui, faço um curto parêntesis para contar uma brevíssima história que se passou comigo e que neste dia ganha um significado especial.

Em 1990, acabada de entrar para a Faculdade, cruzei-me com um Senhor Advogado, vagamente conhecido da minha família, que me deu os parabéns por ter entrado para Direito e logo se prontificou a dar-me um conselho para a vida, dizendo:

“Direito é um curso muito bonito mas os Tribunais não são lugares para senhoras, nem para Juízas, nem para Advogadas. Sabe… os Tribunais são palco para muitas emoções. Mas há outras profissões muito bonitas e mais adequadas. Pense nos Registos. Pense no Notariado”.

Já na altura, este era um discurso desajustado, ultrapassado e incómodo (até) para quem, como eu, cresceu num contexto familiar de liberdade, onde a igualdade sempre foi um pressuposto inquestionável.

A realidade, contrariamente ao que aquele Senhor Advogado pressupunha, é que os Tribunais (e a Justiça) são – e ainda bem – lugares de emoção e de razão, dimensões – ambas – indissociáveis da condição humana. O pensamento moderno há muito que ensina que são as emoções que permitem o equilíbrio das nossas decisões. Num expressivo resumo einsteiniano, válido para Mulheres e Homens, “somos todos igualmente sábios e igualmente tolos”.

A este propósito, ainda, cabe-me evocar aqui, com muita admiração e amizade, as grandes Senhoras que foram pioneiras neste domínio e que afortunadamente estão nesta sala. A Senhora Juíza Conselheira Dulce Neto, primeira mulher eleita Vice-Presidente do STA e primeira mulher eleita Presidente de um Supremo Tribunal em Portugal e, bem assim, a Senhora Juíza Conselheira Fernanda Esteves, primeira mulher Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte.

Curiosamente, duas mulheres, também elas, oriundas do Contencioso Tributário.

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Excelências

Ilustres convidados

Estimados Colegas,

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Comemoramos este ano os 20 anos do Tribunal Central Administrativo Sul!

Assistimos, no passado dia 16 de fevereiro, em festa, ao que à data foi designado pelo, então, Senhor Presidente, como “um dia histórico para o Tribunal …”. E com razão. Nesse dia, pela primeira vez, foi preenchido, na sua totalidade, o quadro legal de magistrados do Tribunal, passando este Tribunal Central a contar com 20 juízes em exercício efetivo de funções, em cada uma das suas Secções de Contencioso (Administrativo e Tributário).

Cabe aqui realçar, com justiça, o empenho do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, em particular, da sua Presidente, em reforçar este Tribunal com os Desembargadores que há muito eram esperados para retirar este TCA de uma situação de (quase) permanente asfixia.

E se é verdade que este esforço e reforço assinaláveis foram indispensáveis para minorar a gravidade da situação processual até ali existente, não é menos verdade que a realidade atual do Tribunal Central Administrativo Sul, no que aos processos respeita, está longe de deixar para a história o carimbo que teima em persegui-lo: o da morosidade.

Apesar de sinais positivos, não será nos tempos mais próximos que o TCA Sul passará a decidir com a ambicionada celeridade, sabido que esta só se alcança com um número razoável de processos por juiz.

Infelizmente, ainda não é essa a realidade dos Desembargadores deste Tribunal!

Não pretendendo ser exaustiva, mas dando conta, em traços largos, da realidade processual do Tribunal Central Administrativo Sul, deixo alguns números (todos por referência ao dia 10 de maio) que, por impressivos, me dispensam de longos considerandos.

Estão pendentes neste TCA Sul a aguardar decisão 9222 processos. Destes, 3972 na SC Administrativo; os restantes 5250 na SC Tributário.

A média de processos a aguardar decisão, por juiz, é de:

78 na subsecção de contratos públicos; 240 na subsecção social; 210 na subsecção administrativa comum;

299 na subsecção tributária comum e 213 na subsecção das execuções fiscais e contraordenações.

Cabe evidenciar o peso significativo dos processos da natureza urgente, em especial na SCA e, em concreto, na Subsecção Comum. Nesta subsecção, a média atual de processos urgentes é de 26 por juiz.

Nos últimos 12 meses deram entrada na SCA 1717 novos processos, dos quais, 696 de natureza urgente, o que representa cerca de 40% do total das entradas. Findaram 1130 processos, entre eles 634 urgentes.

Já na SCT, no mesmo período, deram entrada 1621 novos processos. Foram findos 938.

Desde fevereiro último e até ao dia de hoje, a SCT perdeu duas das suas Desembargadoras em efetividade de funções, encontrando-se, por isso, a Subsecção das Execuções Fiscais com apenas 4 elementos num quadro de 6. Uma insuficiência que urge colmatar!

Nesta SCT, é incontornável uma referência à antiguidade dos processos. No final da passada semana, pendiam nesta Secção de Contencioso 1891 processos com data de instauração (em primeira instância) anterior ao ano de 2014!

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Assim, pese embora – repito – sinais positivos (como o reforço do número de Desembargadores, o expectável aumento das taxas de resolução de processos em ambas as secções de contencioso e a especialização), os níveis das pendências mantêm-se muito elevados, como elevadas são as entradas, com destaque para os processos de natureza urgente.

Tenhamos presente que a especificidade própria desta jurisdição, a tecnicidade das matérias envolvidas, a novidade de muitos dos temas apreciados e a (quase) febril produção legislativa a que se assiste (em especial, na área tributária), atira a complexidade das funções dos Juízes desta jurisdição para níveis tão assinaláveis, quanto preocupantes, em face da notória escassez do quadro de Juízes.

É, pois, neste contexto – quantitativo e qualitativo – que os Juízes Desembargadores deste TCA exercem funções, ainda longe do almejado número razoável de processos, por forma a estarem aptos a proferir decisões no prazo razoável que a Constituição da República Portuguesa consagra.

Enquanto for esta a realidade, dificilmente se compreenderá que a fatura da morosidade deste Tribunal seja emitida em nome dos seus Juízes.

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Excelências,

Estimados Colegas e Convidados,

Minhas Senhoras e Meus Senhores

Dentro das competências que a lei me confere, enquanto Presidente Tribunal Central Administrativo Sul, empenhar-me-ei na defesa dos interesses dos Juízes Desembargadores deste Tribunal e da Jurisdição Administrativa e Fiscal, pretendendo ser uma voz atenta, exigente e ativa, quiçá incómoda, mas sempre leal e com espírito de colaboração institucional, junto do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Não deixarei de evidenciar, no momento e lugar adequado, que este TCA Sul enferma de um quadro legal de magistrados claramente subdimensionado, o que incontornavelmente se reflete na falta de prontidão da resposta decisória, assim como no prestígio da instituição, o que magoa a todos quantos nela trabalham empenhada e dedicadamente.

A falta de assessoria técnica para os Desembargadores é uma dimensão que assume assinalável relevo, face às especificidades que esta jurisdição apresenta.

A concentração neste Tribunal Central Administrativo Sul da totalidade do contencioso das impugnações de decisões arbitrais em matéria tributária é questão que deverá merecer a especial atenção do legislador, ainda mais quando inexiste justificação plausível para tal exclusividade. O esforço acrescido que hoje se pede unicamente ao TCA Sul, não deve deixar de ser repartido pelos demais TCAs, territorialmente competentes (TCA Norte e, de futuro, TCA Centro). Neste momento, aguardam decisão neste Tribunal, na SCT, 360 processos de impugnação com origem na arbitragem tributária.

A amplitude da tutela de natureza urgente merece também reflexão, para que deixe de constituir uma dimensão de trabalho obstativa ao normal processamento dos demais tipos de processos.

Importa, também, pôr cobro aos persistentes constrangimentos informáticos, com impacto direto no bom funcionamento do Tribunal, resultantes da observância das novas regras de distribuição e que os Tribunais não têm, comprovadamente, capacidade para de forma autónoma resolver, neste aspeto se impondo, com todo respeito o digo, uma intervenção do IGFEJ mais pronta e eficaz.

Ciente de todas as dificuldades, tomei a decisão, devidamente ponderada, de me candidatar à Presidência deste Tribunal, que hoje início, com entusiasmo e com esperança.

Fi-lo, como oportunamente disse, respondendo a dois apelos essenciais, por um lado, ao meu firme desejo de dar continuidade à excelência da presidência com que este Tribunal contou até março último; por outro lado, indo ao encontro do desafio que diversos colegas gentilmente me lançaram.

Espero, francamente, não defraudar a confiança que em mim depositaram.

Consciente das dificuldades, enfrentarei tais desafios, sem exceção, com determinação e otimismo, olhando o futuro com ânimo e serenidade, esperando merecer, com humildade o digo, o contributo de todos quantos (Vice-presidentes, Magistrados e Funcionários) exercem as suas funções neste Tribunal, certa de que o seu papel é também a chave essencial ao bom funcionamento desta Casa.

São, como disse, inúmeros os desafios que se vislumbram no horizonte – muitos deles sem a beleza das auroras boreais que recentemente nos encantaram – mas o legado que temos é muito animador e reconfortante:

– Magistrados empenhados;

– Uma jurisprudência prestigiada;

– Um corpo de funcionários exemplar;

– Instalações que – embora sem o brilho de outros Tribunais Superiores – se apresentam bem localizadas, cómodas e convenientemente apetrechadas;

Mas também,

– A proximidade institucional entre ambos os Tribunais Centrais Administrativos e com outros tribunais congéneres da Jurisdição Comum;

– Uma salutar colaboração científica com a Academia e com Advocacia.

Isto para mencionar alguns exemplos.

Pretendo, honrando a obra feita, com respeito por todos quantos já trabalharam neste Tribunal, a cuja memória faço devida vénia, exercer as competências que a lei me confere, nunca abdicando de total integridade e firme independência.

Estou certa que, Todos, Tribunal Central Administrativo Sul, saberemos honrar o nosso pacto com a cidadania e o compromisso absoluto com o Estado de direito e com a Justiça.

Uma vez mais, muito obrigada a todos os convidados cuja presença tanto me honrou.

Lisboa, 15 de maio de 2024.